Papai, a lua daqui é a mesma de Nova York?

O tio João era um exímio contador de casos, um mestre na arte de mobilizar platéias que nunca lhe faltaram, normalmente formada por parentes e amigos ávidos por suas histórias, que lhe foram passadas pelo seu pai, Basílio, um imigrante de Cosenza região da Calábria, que aportou em Santos no final do século IXX trazendo na bagagem um rico repertório sobre os mais variados temas em forma de parábola, a arte milenar da comunicação.

O humor era a tônica que regia cada caso, ingênuo na concepção, mas filosófico na mensagem que transmitia. Havia sempre um tema para cada situação que se aplicava como uma luva nos episódios do cotidiano os quais a ironia e a dissimulação italiana não perdoavam.

Dentre os célebres episódios, um dos mais marcantes foi o dos dois irmãos que tinham inveja da cidade vizinha que ostentava uma pequena e formosa ilha.

Resolveram que à noite iriam roubar a ilha de barco, amarrando-a com tiras de couro e puxando-a para a sua cidade. Remaram fervorosamente, e triunfantes acreditavam que a ilha estava mesmo se deslocando, pois as tiras de couro quando molhadas pela água do mar esticavam, o que normalmente acontece com este material quando molhado. Não faltou entusiasmo dos irmãos até que admitiram a frustração pelo fracasso da investida.

Outro causo não menos famoso foi o das duas irmãs que tinham a mãe muito doente, provavelmente com pancreatite aguda. O médico em sua visita recomendou fervorosamente que suspendessem a alimentação da genitora, no máximo uma canjinha seria permitida. A dificuldade com o idioma, pois se tratava de família italiana recém chegada, fez entenderem que o médico havia recomendado uma canjica. A mãe sucumbiu frente à alimentação inadequada e exagerada, pois a obrigaram a comer uma porção das mais generosas, dizendo mangia che te fa bene mama.

Os encontros familiares na mesa farta eram embalados com essas histórias, que se repetiam sucessivamente, mas parecia que estavam sendo contadas pela primeira vez tamanha era a atenção que despertavam, como um espetáculo que permaneceu em cartaz por longos anos, sempre com a casa lotada, em que os expectadores voltavam inúmeras vezes, com o mesmo entusiasmo como se fosse uma vant premier.

Cada uma dessas situações tinha correlação com os acontecimentos do dia-a-dia, sempre lembradas e associadas a cada caso narrado, com a constatação de que a sabedoria emana das coisas simples, inocentes, porém de forma contundente.

O clássico dos clássicos é sem dúvida o que leva o título deste artigo. Trata-se de uma situação em que um agricultor do interior da Itália, que se desdobrou para fazer com que seu filho fosse estudar nos Estados Unidos. Depois de um longo período de estudos retornando de férias para casa, na varanda, numa noite de lua cheia fez a fatídica pergunta ao pai: Papai, a lua daqui é a mesma de Nova York? Desolado o pai então respondeu foi burro e voltou burro, forma traduzida do mais autêntico dialeto de Bari do sul da Itália.

Neste caso, a história também pode ser aplicada às escolas brasileiras em que 95% dos alunos da quarta série do ensino fundamental não conseguem interpretar um texto, ou seja, lêem, mas não entendem o que estão lendo. Esta é uma condição básica para que uma pessoa seja considerada alfabetizada dentro do padrão internacional de avaliação.

O tempo passou, mas não levou a verdade a memória e a saudade.

João Conte Filho

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